Tudo que você precisa saber sobre JOINT TENANCY
- Patrick Pelucio
- há 11 minutos
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Por Patrick de Pelucio

1. O que é Joint Tenancy
Definição
Joint Tenancy é um regime de co‐posse de propriedade em que duas ou mais pessoas (co‐proprietários) detêm, simultaneamente, direitos idênticos e indivisos sobre o bem, com direito de sobrevivência (right of survivorship) — ou seja, se um dos co‐proprietários morrer, a participação dele se transfere automaticamente aos sobreviventes, sem passar por inventário/ação de sucessão.
Os quatro elementos (“unities”)
Para que haja joint tenancy válida, nos Estados Unidos em geral é exigido que existam quatro “unities” (unidades):
Tempo (time): todos os cotitulares adquirem seu interesse simultaneamente. Instituto de Informação Jurídica+1
Título (title): todos recebem por meio do mesmo instrumento jurídico (por exemplo, a mesma escritura) ou sob a mesma origem.
Interesse (interest): cada cotitular tem a mesma participação ou direito idêntico (igual quantia) no bem.
Posse (possession): cada cotitular tem direito de possuir a totalidade do bem, não apenas uma parte exclusiva.
Se qualquer uma das “unities” for quebrada (por exemplo, se um cotitular transfere sua parte), o regime pode automaticamente converter‐se em outro (por exemplo, tenancy in common).
Direitos e responsabilidades
Direitos: co‐proprietários têm uso completo e igualitário do bem, de forma indivisa.
Responsabilidades: cada cotitular responde por encargos relativos ao bem (por exemplo, impostos, manutenção) proporcionalmente ou de forma equivalente.
Survivorship: grande diferencial — no momento da morte de um cotitular, seu interesse não parte para herdeiros via testamento, mas vai automaticamente aos demais cotitulares.
Vantagens & riscos
Vantagens:
Evita (ou reduz) processo de inventário/probate em algumas situações.
Simplicidade no entendimento de “um bem, vários cotitulares iguais”.
Riscos / desvantagens:
Os cotitulares não podem deixar via testamento sua parte para terceiros; o direito de sobrevivência “pula” esse nível.
Se a estrutura não for bem planejada, pode haver tributação inesperada, ou conflito entre cotitulares. Por exemplo, se alguém transfere unilateralmente sua parte, rompe a unidade e muda a natureza da posse.
Em alguns casos, para não‐residentes ou estrangeiros, pode haver implicações fiscais mais gravosas. Por exemplo, um artigo comenta que no Canadá‐EUA, a joint tenancy de propriedade nos EUA pode gerar carga tributária elevada.
2. Joint Tenancy e abertura de empresas nos EUA — é aplicável?
Natureza original do instituto
Importante destacar: Joint Tenancy é tradicionalmente um instituto de direito de propriedade (real property / personal property) — ou seja, bens imóveis ou ativos tangíveis ou contas co‐possuídas. Exemplos: imóveis, contas bancárias, investimentos.
Por isso, seu uso direto para “abertura de empresa” (holding, sociedade, participação societária) exige cautela, porque a participação societária de uma empresa normalmente não se enquadra numa escritura de “joint tenancy” típica de imóveis, mas sim numa estrutura societária/regime de ações ou quotas (shares / membership interests).
Participações societárias e “joint tenancy”
Nos EUA, não há, de forma padrão, um regime societário que se chame “joint tenancy” para quotas ou ações de empresa equivalente ao regime de imóveis. A participação societária segue regras de leis societárias (corporation law, LLC law) e de títulos/ações, não necessariamente com direito automático de sobrevivência como em joint tenancy.
Há, entretanto, o conceito de “Joint Tenants With Right of Survivorship (JTWROS)” aplicado a outros ativos (contas, imóveis) que menciona participação em “ativos/bem” com direito de sobrevivência.
Um parecer de Nova Iorque afirmou que “a corporation cannot hold as a joint tenant, either with an individual or another corporation”. tax.ny.gov Isso indica que uma entidade societária (corporation) como co‐titular num regime típico de joint tenancy não é admitida em certas jurisdições.
Estrutura societária mais usual nos EUA
Para abertura de empresa nos EUA (por exemplo, LLC, C-Corp, S-Corp) por estrangeiros ou nacionais, o mais comum é:
emissão de quotas ou ações a um ou mais sócios/acionistas, com participação determinada;
regulação por estatutos da sociedade (Bylaws / Operating Agreement) que definem o que ocorre em caso de falecimento, retirada, venda da participação;
eventualmente, cláusulas de “buy-out” ou “right of first refusal” etc. Nesse contexto, pressupor que a participação possa se dar como “joint tenancy” (com direito automático de sobrevivência) pode não estar alinhado com a lei societária norte-americana ou com boas práticas de governança.
Uso em holdings ou estrutura de planejamento patrimonial
Mesmo que o regime de joint tenancy não seja padrão para participações societárias, pode haver cenários de planejamento patrimonial em que se combinam os regimes: por exemplo, sócios individuais detêm conjuntamente quotas de uma empresa em um arranjo de co‐posse. Porém, isso exige alto grau de customização e atenção:
Verificar o que a lei estadual (state law) aplica à entidade em questão (LLC, Corporation)
Verificar se o bem que se está adquirindo é um imóvel ou ativo tangível ou simplesmente participação societária.
Avaliar tributação de imposto de sucessão / estate tax se se tratar de estrangeiro ou residente nos EUA. Por exemplo: segundo Kornfeld LLP, “Ownership of US real estate by a husband and wife as joint tenants with rights of survivorship … resulta em US estate tax no falecimento de ambos” (quando não há isenção por cônjuge estrangeiro).
Conclusão sobre aplicabilidade para abertura de empresa
Dado o exposto:
Não é comum (nem sempre viável) tratar a abertura de empresa nos EUA simplesmente como uma “joint tenancy” entre sócios para a própria entidade empresarial.
Parte importante do planejamento societário e patrimonial se dá por meio da lei societária e de contratos (Operating Agreement, Shareholders Agreement) mais do que por regímenes de co‐posse típicos de imóveis.
Se o objetivo for “que um sócio ao falecer não passe por inventário e sua participação vá automaticamente ao outro sócio/co‐titular”, isso poderá se estruturar contratualmente (por exemplo, cláusula de compra/venda, seguro de vida, etc.), mas não necessariamente por meio de mecanização pura de joint tenancy societária, salvo que o bem fosse um imóvel ou quota específica e a legislação estadual admitisse.
Para estrangeiros (como brasileiros) montando estruturas nos EUA, é fundamental analisar o estado específico (state) de constituição da entidade, bem como implicações de imposto de herança (estate tax) ou imposto sobre a propriedade (se for imobiliário).Portanto, o instituto existe na lei americana, mas como regra não é o método padrão ou direto para participações em empresa, devendo haver adaptações contratuais ou uso de veículos societários adequados.
3. Comparação com jurisdições offshore (por exemplo, Bermuda / British Virgin Islands / Cayman Islands)
Cenário típico offshore
Em jurisdições como BVI ou Ilhas Cayman, frequentemente são usadas holdings, sociedades anônimas ou empresas de participação para planejamento patrimonial, blindagem (asset protection) ou structuring internacional. Nesses casos, a propriedade de quotas/ações pode ser estruturada com contratos de acionistas, trust, fundação privada, etc.
Joint tenancy nesses ambientes
É menos comum que o regime de “joint tenancy” clássico (como no direito de propriedade dos EUA) seja o mecanismo principal de governança ou sucessão; em vez disso, utiliza‐se instrumentos societários ou fiduciários para assegurar transferência automática ou pacto de continuidade.
Em offshore, pode haver maior flexibilidade contratual, mas também maior atenção a compliance, transparência, legislação tributária internacional (por exemplo, normas de reporte automático, CRS, FATCA, BEPS).
O que isso significa para empresas nos EUA com holding offshore
Para um brasileiro constituindo empresa nos EUA (via por exemplo a sua empresa de consultoria nos EUA que você menciona, a Pelucio Consulting) e com foco em planejamento societário/tributário:
Se usar veículo offshore (BVI/Cayman) como detentor de participação em empresa US, convém que a estrutura societária seja bem desenhada (holding offshore → US entity → operação) com contrato de acionistas/quotistas que preveja mortos‐ and‐disabled triggers, opção de compra, direito de preferência, etc.
O regime de joint tenancy puro (com direito automático de sobrevivência) pode não ser o mais indicado para quotas de empresa, especialmente se há intenção de controle societário, liquidez, governança ou entrada/saída de sócios.
Em muitos casos, operar via LLC nos EUA ou corporação, com Operating Agreement ou Bylaws que definem a transferência de participações, pode ser mais seguro e adaptado à realidade norte‐americana.
Pontos de atenção internacionais
Estate tax e “situs” de propriedade: Como mencionado acima, a propriedade nos EUA sob joint tenancy pode gerar tributação de estate tax nos EUA, especialmente se um cotitular for estrangeiro.
Contratos de governança vs. mero “posse conjunta”: A legislação societária exige formalidade para transferência de ações, quórum, consentimento, registro; não basta simplesmente “somos dois joint tenants”.
Credores e risco de co‐titular: Em joint tenancy, cada cotitular pode estar exposto aos credores dos demais; como alertam os artigos.
Estado (state) aplicável: A aplicabilidade de joint tenancy, tenancy by entirety e outros regimes varia conforme o estado dos EUA. Por exemplo, tenancy by entirety só está disponível em alguns estados e normalmente para casais.
4. Recomendações para uso (ou não) de Joint Tenancy em estrutura de empresa nos EUA
Quando considerar
Se houver um ativo específico (por exemplo imóvel, investimento) nos EUA que será detido conjuntamente por dois ou mais indivíduos e houver objetivo de simplificar a sucessão entre eles.
Se os cotitulares forem co‐fundadores e quiserem que, caso um falecer, a participação vá automaticamente ao outro sem inventário, e estiverem cientes dos riscos (controle, liquidez, tributação).
Quando evitar / muito cuidado
Para participações societárias em empresa operacional nos EUA, especialmente se houver múltiplos sócios, entrada/saída planejada, governança exigente ou investimento de terceiros.
Se um dos cotitulares for estrangeiro e houver exposição a estate tax ou imposto de herança nos EUA.
Se o estado onde a entidade ou propriedade está localizada não tem regime claro de joint tenancy ou exige formalidades que limitem essa solução.
Alternativas mais adaptadas
Estruturar a empresa como LLC ou C-Corp nos EUA, com Operating Agreement ou Shareholders Agreement contemplando cláusulas de sucessão, compra forçada, seguro de vida, drag-along, tag-along.
Usar holding offshore ou estrutura de holding doméstica nos EUA, se for o caso, com contratos de acionistas que definam o que acontece em caso de falecimento ou saída de sócio.
Para imóveis, se a finalidade for sucessão, avaliar se joint tenancy ou tenancy by entirety ou trust imobiliário seria mais adequado.
Checklist de pontos a verificar
Estado da constituição da entidade (qual state law se aplica)
Lei societária aplicável (LLC statute, corporation statute)
Tipo de ativo (imóvel, ações/quotas, investimento)
Direito sucessório vigente e implicações fiscais (estate tax)
Contrato entre sócios (bylaws, operating agreement) contemplando falecimento/saída
Regime de co‐posse: se joint tenancy, verificar unities, igual interesse, instrumento único, simultaneidade
Possibilidade de conversão ou extinção da joint tenancy (por alienação, por exemplo)
Riscos de credores de cotitular ou exposição excessiva de responsabilidade
5. Conclusão
O instituto de joint tenancy é bem estabelecido no direito americano de propriedade e pode oferecer benefícios, especialmente no contexto de imóveis ou co‐posse de ativos com direito automático de sobrevivência. Contudo, para abertura ou estruturação de empresas nos Estados Unidos, seu uso como “solução padrão” para participação societária entre sócios não é a via usual e pode gerar fragilidades ou incompatibilidades com a lei societária, tributária ou de governança.
Assim, se o objetivo for estruturar uma empresa (por exemplo para brasileiros que querem investir ou montar negócios nos EUA, como via a Pelucio Consulting), recomendo fortemente combinar:
a constituição da entidade societária apropriada (LLC, C-Corp, etc.)
a formalização de contratos entre sócios que prevejam sucessão, saída, governança
estudo da legislação estadual e federal (incluindo impostos de herança)
avaliar se, além da participação societária, há bem imóvel ou outro ativo que poderia ser detido em joint tenancy em separado, se aplicável




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